domingo, 18 de outubro de 2009

Crônica de um domingo de sol

Acordei um tanto quanto mal humorada, mas creio não ter sido um sinal de ingratidão, ocorre que trabalho de segunda á sexta, ontem sábado, os professores foram convocados, para o Conselho de Classe, então, esta semana foi de segunda á sábado. Até aí tudo bem, gosto do ofício que exerco e obviamente devo realizar todas as tarefas com amor, boa vontade. Mas de onde veio este despertar incômodo, a sim, deve ter sido pela rádio do vizinho, pagode, pensei nossa deve ser tarde já, peguei o celular e qual não foi minha surpresa, não é que marcava 7:15! Ninguém merece após uma semana exaustiva, em pleno domingo, onde se pode desfrutar dos braços de Orfeu até quando desejar, ser retirado do mesmo, assim, bruscamente, e com um refrãozinho daqueles nada criativos típicos desta cultura massificada, sem conteúdo, musicalidade. Se tivesse um vizinho com bom gosto musical, nem ficaria desgostosa, poderia por exemplo ser despertada por Chico Buarque, Lenine, Nando Reis, Rita Lee, Milton e tantos outros. Bem, como era "mui temprano" como dizem os argentinos, virei para o lado, coloquei o travesseiro sobre a cabeça e insisti. Após uma longa sequência de pagode, desisti, levantei, realizei alguns afazeres e fui visitar minha tia Ione, ontem ela completou 82 anos, mas não fui, em virtude do Conselho de Classe. Caminhei até o terminal, onde peguei o biarticulado Boqueirão Praça Carlos Gomes. Um dia finalmente de sol, Curitiba parece uma daquelas cidades típicas das criaturas vampirescas, um dia de sol ás vezes é raro. Sentei-me, peguei o livro de um ótimo contista curitibano, Julio Damasio, começei a ler. O título do livro "Oração de um quase descrente". Antes de prosseguir porém, se faz necessário relembrar algo que chamou minha atenção quando estava na plataforma esperando o ônibus. Como todo escritor, costumo observar todos os desdobramentos do momento, as pessoas, algumas caricatas parecem ter saído das narrativas míticas, outras dos escritos de Nelson Rodrigues. Foi então que um jovem, cabisbaixo, calça de moletom azul, suja, chinelo, camiseta e boné parou ao meu lado. Agora retornando.. Quando estava lá entretida em minha leitura, o jovem da plataforma passa de banco em banco, distribuindo um papelzinho com os seguintes dizeres:"estou pedindo que compre esta cartela de adesivos, preciso ajudar minha família com arroz e feijão para meus irmãos menores". Fiquei atenta a cada movimento do garoto, era um rapaz de no máximo dezesseis anos, muito bonito, mas extremamente judiado, evitava olhar para cima, sempre fitando o chão. Fui tomada ali de uma tristeza ímpar, como é dilacerante olhar um jovem sem nada no olhar, seu olhar era vazio, para não dizer que era totalmente vazio , havia ali uma vergonha escândalosa. Após recolher os adesivos dos que não compraram, ele desembarcou no primeiro terminal. Prossegui minha jornada, presenteei minha tia com um livro embrulhado em jornal, escolhi um pedaço do jornal O Rascunho, cuja matéria era sobre William Shakespeare, assim tia Ione poderia ler o embrulho também. Despedi-me após alguns momentos agradáveis relembrando tempos passados, histórias de família, conversas de aniversário. Confesso que não via a hora de chegar e poder transcrever o encontro, apenas com a imagem daqueles olhos castanhos tristes, em um dia de domingo de sol. Lembrei do conto de Damásio "oração de um quase descrente", era exatamente aí que eu estava quando o rapaz me abordou.....

Um comentário:

  1. Olá Júlia!
    É realmente muito triste não ver nenhuma luz nos olhos de alguns jovens. Mas me sinto pior quando vejo em alguns olhos apenas raiva! Raiva do mundo, de vc, de tudo! É quase desesperador! Vc não sabe o que fez para merecer aquela raiva e nem o que fazer para diminuí-la!
    Linda crônica! Bjos

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