sábado, 17 de outubro de 2009

Crônicas de Sala de Aula: Sobre a Violência

Cheguei em casa após um longo dia, aulas e mais aulas, uma sequência de dez! Sexta á noite, ainda havia correções de trabalhos, provas, mas isto ficaria para o sábado. No domingo á noite quando me preparava para deitar um notícia daquelas do plantão jornalístico: Chacina no bairro Uberaba, deixa oito mortos. Fiquei perplexa, sim, ainda ficamos, ainda não atingimos o estado de torpor, ainda não! Leciono em uma escola deste bairro, imediatamente pensei nos meus alunos, em suas famílias e pedi á Deus que estivessem bem. Na segunda quando entrei na sexta série estavam todos com ar de assustados, um silêncio macabro pairava no ar. Fiz a chamada e iniciei uma conversa sobre o ocorrido, os relatos foram triste de se ouvir. Tipo "professora minha tia mora na região,meu primo não veio á aula hoje, por mêdo". Professora eu conhecia a mãe e o bebê de cinco meses que morreram quando voltavam da igreja". Difícil saber o que dizer, mas insisti mais uma vez de que o caminho, a saída para mudar esta situação é a dedicação aos estudos. Repeti a velha história de que o tráfico não leva á nada, ou melhor leva, ou á morte prematura ou para prisaõ, aqueles verdadeiros depósitos de gente. Procurei fazer uma relação histórica sobre a maldade humana, salientei que em todos os períodos houveram os que fizeram a opção pelo lado obscuro, sombrio e aqueles que fizeram a opção pelo lado da dignidade, do trabalho, da firmeza de caráter. Nesta aula pedi que meus alunos fizessem uma redação sobre o que desejavam para seu futuro, e a maioria escreveu que apenas desejava estar vivo! Quando entrei na quinta-série um aluninho logo me abordou pedindo insistentemente que o avisasse quando fosse 16:30. Questionei qual motivo desta insistência, ele respondeu " é que tem o toque de recolher lá professora, os traficantes que saíram atirando estão anunciando, meu pai vem me buscar mais cêdo, pra não estarmos na rua depois das seis". Quando deu 16:30 avisei o pequeno Lucas, ele saiu cabisbaixo e eu fiquei ali, completamente impotente, querendo fazer algo, sem poder! Difícil prosseguir a aula, mas o ofício assim nos exige. Á noite no jornal local, as fotos das vítimas, a mais velha era a mãe do bebê, ela tinha 29 anos, os demais, 22, 17, 25, cinco meses.... Todos inocentes, sem nenhuma passagem pela polícia, todos com seus sonhos, anseios, sepultados no véu da escuridão da ignorância. Os caras que realizaram a chacina, são todos do tráfico e queriam intimidar os moradores da região, conseguiram muito mais do isto. Pensei no mito da caverna, a lição de Platão sobre a necessidade da sociedades sair da caverna que nos afasta da luz da verdade. Escrita há quase 2.500 anos, continua a insipirar. Estamos bem no centro do caos urbano, da insegurança, da violência. Mas se seguirmos Platão vislumbramos que a caverna obscura esta no interior das pessoas, muitas cultivando ódio, inveja,preconceitos, ciúmes, medo, preguiça. Creio que passarei a incrementar minhas aulas com o mito da caverna, inserí-lo em todas as séries que leciono. Assim lembro de um grande especialista em Mitologia, Josefh Campbell, que dizia " há tanta violência na sociedade hoje , porque não há mais grandes mitos para ajudar os jovens a se relacionar com o mundo, ou a compreendê-lo, para além do meramente visível". Através da alegoria de Platão percebemos que as fantasias, esperanças são o início desta viagem. Depois há que se ter o controle destas fantasias, uma espécie de viver o "presente", visto que o passado e o futuro são cavernas que tendem a nos afastar da realidade. A próxima etapa é buscar a essência das coisas, quando a mente se ocupa do real valor de se estar aqui. Gosto de um exemplo dado pelo saudoso Joseph Campbell, especialista em mitologia para exemplificar tal questão: " A mente se ocupa do sentido. Qual o é o sentido de uma flor? Há uma história zen sobre um sermão de Buda, em que este simplesmente colheu uma flor. Houve apenas um homem que demonstrou pelo olhar, ter compreendido o que Buda pretendera mostrar. Pois bem, o próprio Buda é chamado "aquele-que-assim-chegou". Não faz sentido. Qual é o sentido do universo? Qual é o sentido de uma pulga? Está exatamente ali. É isso. É o seu próprio sentido é que você está aí. Estamos tão empenhados em realizar determinados feitos, com o propósito de atingir objetivos de um outro valor, que nos esquecemos de que o valor genuíno, o pródigo de estar vivo, é o que de fato conta." As palavras de Campebell nos ensinam muito, não precisamos colher as flores para apreciá-las e sentir seu suave perfume, basta contemplá-las apenas. Esta geração que esta hoje nas salas de aula precisa urgentemente perceber isto, caso contrário a música da vida cada vez terá menos valor. Um longo e árduo trabalho.

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