quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Algumas considerações sobre literatura

Os avanços de um mundo cada vez mais globalizado, acelerado, tecnologias avançadas em todos os sentidos, a literatura persiste como um símbolo mitológico, apesar do livro digital ser uma realidade, há ainda os que apreciem o folhear de um bom livro, sentir as páginas, parece que este ato aproxima o leitor do autor e das histórias por ele criadas. Mas muitas vezes o olhar reflete as experiências sobre o que lemos, um bom exemplo é a história de uma antropóloga americana chamada Laura Bohannan que resolveu testar se uma comunidade primitiva podia compreender Shakespeare. Ela partia de um pressuposto; que o gênio inglês tratava de sentimentos universais nos seus textos dramáticos, portanto, todos deveriam entendê-lo. E, assim, dispôs-se a verificar os limites de sua teoria, que era também uma maneira de estudar antropologicamente as diferenças culturais. Rumou para o oeste da África e foi viver com os TIV. Adotou uma estratégia que foi ficar lendo sozinha, na sua cabana, o Hamlet. Ficava de propósito lá entretida esperando que eles se interessassem pelo que estava lendo. E tão entretida estava que os primitivos começaram a ficar intrigados, afinal, o que acontecia com ela quando ficava com aquele livro na mão... Pediram, então, que lhes contasse a história que estava lendo. Laura chamou-os para ouvi-la. Estavam eles ali já sentadinhos em torno dela e mal ela iniciou a narrar, começaram os problemas de interpretação. Quando descreve aquela cena inicial em que o rei e pai de Hamlet, depois de assassinado, aparece vagando na torre do castelo, um dos homens da tribo disse que aquilo era impossível. Ele não podia ser o “chefe”, mas outra pessoa, apenas um representante dele. E a coisa tornou-se ainda mais complicada porque não podiam entender a palavra”fantasma”. Para eles só podia ser um “zumbi”, uma entidade maléfica qualquer. Além do mais, diziam, os mortos não andam, que coisa era aquela de ficar zanzando noite adentro. A antropóloga tentou explicar uma coisa e outra, e tentando passar por cima das divergências, continuou. Quando lhes foi dito que o tal fantasma do rei havia confidenciado a Hamlet que só ele, seu próprio filho, poderia resolver o problema de sua morte, ou seja, de vingá-lo, de novo os primitivos acharam estranho. Na tribo deles, não é tarefa dos jovens resolverem os problemas. Quem tem que assumir a responsabilidade é o ancião. E o ancião na história de Hamlet era Cláudio, tio de Hamlet. Só que este é que havia assassinado o rei com a concordância da própria mãe de Hamlet Os africanos já deviam estar achando os brancos para lá de malucos, e mais intrigados ficaram quando a narradora lhes deu outra informação da história. Ou seja, que Gertrudes – a mãe de Hamlet se casou rapidamente com Cláudio, ou seja, não havia deixado o cadáver do marido esfriar. Isso era, de novo, inaceitável. Segundo o costume daquela tribo, a viúva tinha que ficar pelo menos dois anos de luto. Claro que as mulheres nem sempre concordavam com isso, pois durante a narrativa da antropóloga, uma esposa que ouvia a história, reclamou que o marido morria, era necessário rapidamente outro homem para cuidar do campo e das cabras. Enfim, a tarefa a que se propôs a antropóloga americana foi se frustrando. A cada informação que dava, vinha uma divergência cultural e simbólica. Ela teve até que saltar o famoso monólogo. Essa coisa de “ser” e “estar” só os metafísicos ocidentais entendem. É possível que você como eu nunca tenha tentado explicar Hamlet, mas é certamente provável que, sem ir á África e sem ter o Hamlet nas mãos, você e eu tenhamos tido experiências semelhantes tentando explicar o inexplicável. Este texto foi de Affonso Romano Sant’Anna, no jornal O Rascunho, um periódico que trata somente de assuntos literários, interessante a experiência desta antropóloga, ela nos faz repensar aquela coisa toda da “literatura universal”. Então podemos tirar uma primeira conclusão, de que a leitura é subjetiva, depende de quem lê sim, enganou-se que imaginou o contrário. Durante o processo histórico as formas de escrita,os estilos literários foram sofrendo alterações de acordo com o momento. Na idade média, por exemplo, a Igreja detinha os domínios da escrita, os mosteiros foram importantes para que hoje muitos dos clássicos sejam conhecidos, este era o ofício dos copistas. A escrita sempre esteve presente na vida de todos os povos, seja em forma de palavras, seja através de símbolos, que representavam algo que se desejava contar, deixar registrado. Por meio de obras literárias pode-se conhecer muito sobre uma época, os costumes, o cotidiano, enfim a literatura serve a humanidade de modo incontestável. Um tipo de literatura extremamente interessante é a descritiva, aquela que viajantes relatam com minúcias as impressões de determinados locais. Saint Hilaire o naturalista francês por exemplo registrou em um livro suas andanças pela região sul, percorreu o estado do Paraná e anotou o que viu na Vila de Curitiba. A leitura sempre nos transporta para lugares que jamais poderíamos ir ou imaginar, os clássicos hoje não instigam muito a safra de leitores jovens, isto de certa forma tem uma explicação. Primeiro, a cultura massificada cada vez mais assumiu o controle das mentes, assim tudo torna-se mais facilmente digerível, isto não ocorre somente com a literatura, mas na música, e demais expressões artísticas. A propaganda de massa fortemente utilizada por Adolf Hitler propagou-se e hoje o que se vê nada mais é do que uma calcificação destas práticas. Outro motivo pelo qual os clássicos não vingam entre os mais jovens é a própria obrigatoriedade, muitos professores, escolhem um determinado livro, por exemplo “O Guarani” e cobram esta leitura, em forma de prova, isto não desperta leitores, ao contrário, os espanta. O primeiro passo para se formar leitores é fomentar a criatividade dos mesmos, valorizar uma redação quando esta possui uma essência, e não apenas encher de rabiscos com caneta vermelha a produção do aluno, neste simples ato o professor menos atento e insensível estará podando um futuro talento. Nos dias em que vivemos estão em alta os livros de auto-ajuda, aqueles com mensagens de incentivo, historinhas recheadas daquilo que muitos precisam ler para seguirem com suas vidas. Neste sentido muitos se tornam Best-Sellers, que o diga Paulo Coelho, o mestre da auto-ajuda. A literatura mais antiga também não atrai a muitos pela falta de valorização em uma sociedade de seus antepassados, da própria valorização da história, considera-se tudo que é antigo chato, maçante, mas um Fiódor Dostoiéviski, nada possui de maçante. Quem se atrever a ler Crime e Castigo, por exemplo, não conseguirá largar até chegar ao fim. Autores brasileiros como Machado de Assis atrairiam muito se fossem desmistificados para as novas gerações, os contos de Machado são estimulantes. O que acontece é que a mídia valoriza tudo aquilo que é descartável, consumível e logo após facilmente substituído por um novo sucesso. Assim Júlio Verne não chega aos meninos que gostam de aventuras, mas a saga do bruxinho Hery Potter vende bem. As histórias sempre fizeram parte da humanidade, mas hoje em dia como disse o especialista em mitologia Joseph Campbell, as pessoas não estão familiarizadas com a literatura do espírito, estão interessadas nas notícias do dia e nos problemas do momento. Antigamente, o campus de uma universidade era uma espécie de área hermeticamente fechada, onde as notícias do dia não se chocavam com a atenção que se dedicava a vida interior. As literaturas grega e latina e a Bíblia costumavam fazer parte da educação de toda gente. Tendo sido suprimidas, toda uma tradição de informação mitológica do Ocidente se perdeu. Muitas histórias se conservavam, de hábito na mente das pessoas. Quando a história esta em sua mente, você percebe sua relevância para aquilo que esteja acontecendo em sua vida. Os grandes romances podem ser excepcionalmente instrutivos, a leitura de mitos também, o que estamos aprendendo nas escolas não é a sabedoria da vida, estamos aprendendo tecnologias, acumulando informações, existe uma forte tendência à especialização. "Nós modernos, estamos despindo o mundo de suas revelações naturais, da própria natureza, quando os seres humanos destroem a natureza, destroem sua própria natureza, deixam de ouvir a música", sábias palavras de Joseph Campbell, mitologia é música e literatura também.

2 comentários:

  1. Seu texto aborda questões muito pertinentes sobre a apreciação de textos literários e como a interpretção de clássicos depende da cultura e do conhecimento do indivíduo. A vida contemporanea valoriza o descartável, mas o verdadeiro conhecimento creio que sempre se manterá. Já dizia Leonardo da Vinci "A beleza perece na vida, porém na Arte é imortal." Beijos Julia, adorei tudo isso...
    Patrícia Varela

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  2. Vagando no texto como uma cobra entre as folhas, se arrastando e se embaraçando nas palavras de um mundo onde a cultura se perde...Chego a pensar se vivemos cultura nesse mundo apressado onde tudo é descartável, até nós somos descartáveis, quem dirá clássicos da arte... Eu, um louco perdido no mundo estou tentando escrever um livro sobre a magia do circo...Nessa velocidade da vida onde tudo muda tão rápido e a novas geração não tem tempo para ler, vou me tornar um palhaço perdido na arte...A história é como a música, mágica e imortal encontrando uma maneira de fazer o ser humano sonhar, esteja onde estiver e uma vez lido transformará o jeito de pensar do cidadão e da comunidade...Arte sempre vai ser arte e isso ninguém consegue mudar...Falei demais...Tenha um lindo domingo menina da arte...bjs...

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